Talvez você esteja se perguntando “Por que a Lina colocou esse título? O preço da liberdade? “ Leia até o final e você entenderá. A partir de agora, cada artigo virá acompanhado de uma canção que ilustre o tema que eu abordar ou que faça parte da minha história, porque eu adoro fazer tudo ouvindo música. Clique aqui para descobrir qual é a canção deste artigo. Te convido a ler ouvindo música, pois a música nos remete a momentos de reflexão ainda mais profundos e, se você pensa em emigrar ou imigrar – porque quem emigra de um país imigra para outro – os momentos de reflexão sobre questões essenciais da vida farão parte do seu quotidiano mais do que nunca. E se você imigrou sabe bem do que estou falando.

Photo by Marco Diniz

Photo by Marco Diniz

Depois de chorar até falar chega no avião, desembarco no aeroporto de Montreal no dia 6 de novembro de 2009 e sou muito bem recebida em uma sala especial para os residentes permanentes. Um senhor muito simpático explicou tudo o que eu precisava saber para os primeiros dias. No saguão do aeroporto minhas duas amigas queridas, Júlia e Patrícia, me esperavam para me dar aquele abraço reconfortante que eu tanto precisava. Pegamos um taxi e fomos para a casa da Paty, aonde eu ficaria minha primeira semana. Chego na casa dela e estava completamente fora do ar. A ficha ainda não tinha caído. Me lembro que estava profundamente angustiada e com muita vontade de chorar. Pela primeira vez me senti órfã. Que sensação louca! Fui tomar banho e desabei. Chorei bastante no chuveiro e falei com Deus. Fui sincera: estava morrendo de medo de encarar tudo sozinha pois, por mais que eu tivesse amigos maravilhosos que eu sabia que poderia contar, eu tinha que me virar. No dia seguinte o Rafa, esposo da Paty, passou o dia todo comigo para tirar documentos e andar muito a pé pela cidade. Como sou grata pela vida da Paty e do Rafa, que foram irmãos maravilhosos nos primeiros dias! Se você já ajudou um amigo imigrante, minha admiração a você!

Nos primeiros dias tive dificuldade para dormir. Ficava pensando naquelas questões essenciais da vida, como mencionei no primeiro artigo do blog, e não tinha resposta para nada! Estava tão fora da minha zona de conforto que sentia um desconforto físico. Foi maravilhoso poder conversar com a Paty, que já havia passado pela mesma coisa e saber que, eventualmente, eu ia superar tudo. Mas vai dizer isso para o coração! Na hora que estamos no meio da batalha, vivendo a dor, parece que não vai passar nunca, não é?

Depois da primeira semana, fui morar na casa de uma quebequense que vou chamar de Marie para preservar a confidencialidade. Eu tinha entrado em contato com ela do Brasil para dividir o apartamento. A princípio, ela era a roommate perfeita: quebequense, jovem, dançarina de tango, falava espanhol, muito afetiva e morava sozinha. Perfeita porque eu ia poder ter contato com a cultura local, melhorar meu francês e também dançar, pois a dança sempre fez parte da minha vida. E, além disso, poderia conversar em espanhol quando não conseguisse me expressar em francês. Eu, ingênua, achei que seria um ótimo começo. No entanto, mal sabia eu o que me esperava…. Chego com minhas duas malas, o coração cheio de sonhos e a Marie me diz “Lina, meu namorado vai ter que morar aqui os próximos meses pois ele está sem casa”. Eu digo “Ok, sem problemas”. O que eu ia dizer? “Não, bota ele para fora!” hahaha Achei o namorado bem estranho, mas ok, eu tinha que me adaptar. Quando vou ver o apartamento direito me dou conta da sujeira… Então eu pensei “Calma, você está estranhando porque acabou de chegar.” Então decidi tomar um banho, para relaxar. Não vou nem descrever a sujeira do banheiro gente…. Tomando banho com minhas Havaianas para proteger o pé, chorando debaixo do chuveiro, olho para a parede e os azulejos mais sujos que já tinha visto e, chorando ainda mais, digo “Meu Deus, eu ainda vou contar isso tudo rindo!!!” Hoje, toda vez que conto essa história, morro de rir!

Eu decidi morar com uma roommate por três motivos: para me integrar mais rápido, economizar dinheiro e não ficar sozinha. Eu tinha medo de ir morar sozinha e ficar mal emocionalmente, deprimida mesmo, sobretudo porque eu tinha chegado no início do inverno. No dia seguinte, ligo para o meu pai pelo Skype para compartilhar a situação que, me desculpem a palavra, estava foda. “Pai, não vai dar para ficar aqui não. O apartamento é sujo pra caramba (para não dizer outra palavra), o namorado da Marie é muito esquisito e ela me contou que eles brigam muito. Ela acabou de fazer um aborto dele e me disse que ele está ameaçando denunciar para imigração o parceiro dela de dança que é argentino e está aqui ilegal. Ela disse que a minha presença aqui vai ser ótima para dar aquele alto astral no momento tão difícil que ela está passando.” É isso tudo mesmo. No primeiro dia já me colocam no olho do furacão e eu nem mesmo sabia aonde era o supermercado mais próximo, mal sabia andar de metrô e não entendia quase nada do que falavam em francês comigo apesar de ter gasto horrores em aula particular! E ela queria que eu fosse a salvação da vez? Fala sério! Olha gente, eu amo ajudar as pessoas, mas naquele momento não dava pois precisava cuidar de mim! A princípio eu não queria morar sozinha de jeito nenhum e, de repente, morar sozinha parecia ser a opção mais maravilhosa do mundo! E meu pai, meu herói, me diz “Filha, procure um apartamento para você. Não se preocupe com dinheiro. Eu vou te ajudar”. Olha, vou te falar, quem tem um pai como o meu tem tudo! Isso era tudo o que eu precisava ouvir. Eu não queria pedir mais dinheiro para o meu pai. Queria me virar com o que eu tinha, mas deixei meu orgulho de lado e aceitei, porque ficar ouvindo briga e porta bater com gente desequilibrada não dava. Mas o pior ainda era o azulejo! hahahaha

E você acha que acabou? Não acabou não…. Quando fui falar com a Marie que eu queria sair do apartamento pelos motivos que citei acima, ela ficou furiosa e acabou comigo. Disse que eu não estava preparada para imigrar pois não sabia relativizar as culturas. Ainda bem que pude conversar em espanhol para dizer tudo o que queria. “Marie, eu sei relativizar sim, mas não me peça para relativizar higiene, isso não dá!”. Conversamos bastante e confesso que foi duro chegar em Montreal e já ter uma situação de confronto assim. Não esperava e, confesso, isso me deixou abalada.

Começo a procurar apartamentos. Ligo e não entendo nada! Pensei “Putz… estou ferrada… Como é que eu vou achar um apartamento em uma cidade que eu não conheço nada e não consigo nem entender direito o que falam comigo?” Minha amiga Paty mais uma vez maravilhosa me ajudou. Visitamos dois apartamentos juntas e nada que fosse bom. E começo a ficar tensa de verdade…. Eu tinha menos de três semanas para achar um apartamento e, o pior, a Marie disse que se EU não achasse um novo roommate para ficar no meu lugar à partir de dezembro que eu teria que pagar o aluguel do quarto! Achar quem? Eu não conhecia quase ninguém! Nem discuti… entreguei para Deus!

Um dia, no meio desse turbilhão, saí de casa a pé para pegar o metrô e ir a um grupo de oração que tinham me convidado. Descendo a avenida Laurier, estava olhando para o chão e falando com Deus “Como é que eu vou fazer para achar um apartamento Senhor? Me ajuda! “. Sabe quando tem aquela voz que fala na cabeça da gente? Sabe? Então, uma frase veio imediatamente à minha cabeça “Olhe para as janelas” e, quando olhei para a direita, vi o anúncio de um apartamento que era exatamente o que eu buscava. Ligo e o concierge diz “Não tem nem quinze minutos que eu coloquei o anúncio! Você é a primeira a ligar.” Morei nesse apartamento por três anos. Sem deixar de mencionar a amiga Renatinha, que foi um anjo: visitou o apartamento comigo, me ajudou a comprar algumas coisas de casa e até foi minha fiadora. Lembra Renatinha sua linda?

Outro dia passei em frente e tirei essa foto. Tinha até um anúncio. Tive a sensação de entrar em uma máquina do tempo. Nem parece que já se passaram 6 anos!

Outro dia passei em frente e tirei essa foto. Tinha até um anúncio. Tive a sensação de entrar em uma máquina do tempo. Nem parece que já se passaram 6 anos!

Com o novo apartamento, eu tinha um problema a menos, mas ainda tinha que achar um bendito de um roommate para ficar no meu lugar. Em casa, Marie me diz “Lina, não precisa mais procurar o roommate. Uma amiga minha me ligou perguntando se o quarto estaria livre para o dia 1 dezembro. Eu digo “O que??? Você está falando sério?” E ela “Sim, você pode ficar despreocupada”. Olha, vou te dizer, isso não podia ser apenas uma coincidência. Isso é o que se chama de providência divina!

E por que o título “O preço da liberdade”? Porque somente quando cheguei em Montreal e comecei a passar aperto é que, de fato, entendi que conquistar a liberdade que eu sonhava ia ter um preço alto. Quando digo liberdade, me refiro à conquistar minha independência, ser uma mulher completa e madura. Me refiro à liberdade que somente o conhecimento e a experiência te proporcionam. Quanto mais conhecimento e sabedoria temos, mais livres somos. E conquistar Montreal não seria fácil. Entendi o tamanho do meu Monte Everest, e tremi. Tremi porque o momento de encarar tudo sozinha tinha chegado. Entendi que imigrar ia exigir tudo de mim. Senti o peso da responsabilidade do que eu havia prometido ao meu pai no aeroporto em Belo Horizonte e à mim mesma: conquistar meus sonhos. E, veja bem, meu pai, minha mãe e meus amigos sempre estiveram ao meu lado. Em nenhum momento eu fui abandonada, mas a realidade é que no dia a dia temos que encarar a vida sozinhos sim. É assim para todo mundo. O que era simples se tornou complicado. Entendi que, quase como uma criança, teria que aprender quase tudo do zero: aprender à andar com minhas próprias pernas. Aprender as regras locais. E que regras? De onde eu começo? Vou para onde? Uma terra estranha que eu teria que desbravar. Hoje vejo que os colonizadores eram, antes de tudo, loucos! Imagina pegar um navio mar adentro rumo ao desconhecido e sem saber se um dia voltariam para casa? Para imigrar tem que ser meio doido mesmo e aí me lembro da frase do Shakespeare “Enquanto houver um louco, um poeta e um amante, haverá sonho, amor e fantasia. E enquanto houver sonho, amor e fantasia, haverá esperança.” No Brasil, antes de vir para o Canadá, algumas pessoas me chamaram de louca, pois eu deixei uma vida bastante confortável em Belo Horizonte. Hoje vejo que, de certa forma, eles tinham razão mas, o que eles não sabiam é que eu, assim como o Nelson Mandela, tinha um desejo gigantesco de ser a mestre do meu destino e a capitã da minha alma.

Meu segundo mês? Ah… meu segundo mês foi uma luta, mas Deus enviaria um anjo, aquele que se tornaria um dos meus melhores amigos e um dos quebequenses mais brasileiros que já conheci. Nem imaginava, mas passaria o melhor Natal da minha vida. Essa história eu conto no próximo artigo, porque já falei demais! Beijos no coração!

#vemserfelizemmontreal

Obs: Gostou da música?

Lina Donnard é brasileira, de Belo Horizonte, imigrante e mora em Montreal desde 2009. É consultora em educação no Canadá e coach profissional para integração ao mercado de trabalho.