A canção desse artigo é Stronger, da Kelly Clarkson. Apesar de a letra falar de uma relação amorosa, o que não é o caso aqui, ela faz parte desse momento da minha vida e o refrão “What doesn’t kill you makes you stronger” cai como uma luva para o que vivi. Cantar essa música me deu muita força e espero que dê para você também! 

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Depois do meu primeiro emprego e da depressão que tive em 2011, era o momento de começar meu segundo emprego em outubro de 2011. Ainda fragilizada pela depressão, fui a uma feira de empregos em uma universidade em Montreal e abordei o stand de uma empresa americana que buscava profissionais para trabalhar como recrutadores técnicos. Eu nem sabia o que era isso e você, provavelmente, também não deve saber. Já te explico. Pois bem, me chamaram para a entrevista, me preparei e fui com toda a força que me restava pois estava ciente de que aquele emprego seria muito importante para meu processo de cura.

Ao me preparar para a entrevista, entendi que aquela era a maior multinacional no mundo no setor de recrutamento de profissionais na área da tecnologia da informação. Eu trabalharia como headhunter para selecionar os melhores profissionais para trabalhar em grandes empresas em Montreal! O trabalho não era na minha área, Relações Internacionais, mas parecia muito interessante.

Passei na entrevista e, imediatamente, fui contratada! Comecei no dia seguinte. Aos poucos, fui entendendo o estilo americano de trabalhar: metodologia de trabalho Agile, linguagem interna própria, metas diárias, semanais e mensais, pressão, 11 horas de trabalho por dia, cafés e almoços com profissionais de TI de diferentes países, treinamentos no Canadá e nos Estados Unidos, negociações duras, muitos eventos de networking e mais um chefe muito diferente de mim.

A DIFERENTONA

Lina Donnard Canadá

Photo By Marco Diniz

Falando em treinamento nos Estados Unidos, fui para Kansas City fazer uma formação de uma semana. Em torno de 50 americanos e eu, mais uma vez, a diferentona. Única estrangeira, morando no Canadá francófono, tinha gente que admirava o fato de eu ser TÃO diferente, e tinha gente que visivelmente não conseguia lidar com tantas diferenças. Nos formaram para sermos coachs, essa era a filosofia da empresa o que, particularmente, me agradava muito. Hoje trabalho como coach profissional, em parte, graças a essa empresa.

Os primeiros três meses foram difíceis, mas estava feliz de aprender tanto em tão pouco tempo. Além disso, adorava meus colegas de trabalho e fazia muito networking, o que eu adooooro! Em janeiro de 2012, em uma quarta-feira à noite, vou ao mercado em frente de casa comprar algumas comidinhas pois meu namorado, na época, deixaria Ottawa no dia seguinte para vir morar comigo em Montreal. A intenção era deixar o apartamento lindo para que, quando ele chegasse no dia seguinte, começássemos nossa vida juntos.

DON’T TAKE ANYTHING FOR GRANTED!

Voltando para casa com as sacolas, atravesso a rua, escorrego no gelo e quebro o tornozelo. Caí no chão aos prantos de dor e, imediatamente, algumas pessoas pararam para me socorrer. Para piorar, estava fazendo -20 C. Eu tremia inteira enquanto esperava a ambulância mas, devo dizer, todos que pararam cuidaram de mim com o maior carinho. Esse é o povo canadense/quebequense! Enquanto estava no chão, liguei para meu namorado e tentei explicar a situação. Na minha concepção, eu estava explicando tudo muito claramente mas, segundo ele, eu não disse nada com nada! Hahahaha Hoje eu juro que conto isso rindo!

Fui para o hospital e o médico disse “Você fraturou o osso X (não lembro do nome do osso minha gente) e terá que ficar seis semanas com uma bota ortopédica e de repouso absoluto em casa. Teve sorte Lina! Quebrou completamente em diagonal e o osso não saiu do lugar, o que é raro e significa que você não precisará de uma cirurgia. Mas você tem que fazer repouso absoluto!”. E eu respondi o médico “O nome da minha sorte é Deus doutor!”.

LIDANDO COM ASSÉDIO MORAL

Uma semana em casa e meu chefe (vou chamar ele com o nome fictício de Mike) começa a me enviar mensagens dizendo que eu deveria voltar ao trabalho pois não era nada “Lina, é apenas um tornozelo! Volte ao trabalho!” Eu ofereci para trabalhar de casa, mas ele não aceitou. Como é que eu ia andar de muleta na neve? Morrendo de dor? Correndo o risco de deslocar meu osso e ter que fazer uma cirurgia? Sem chance! Além disso, eu tinha o atestado médico e ele não poderia fazer nada contra mim. Mas fez. Além das ligações e das mensagens absurdas, ele não autorizou que o seguro pagasse meu salário. Sim, ele podia fazer isso por causa de um bendito dia! Explico: eu tinha começado a trabalhar no dia 18 de outubro e me acidentei 18 de janeiro. Exatos três meses da carência do seguro. Liguei para o seguro e disserem que eu era elegível para receber meu salario nas próximas cinco semanas, mas que deveria ser autorizado pela empresa e, adivinha? A empresa não autorizou para tentar me forçar à voltar ao trabalho.

Sim, eu estava sofrendo assédio moral. Harrassement. Harcélement. Mas espera, como em tudo há um lado positivo, deixa eu fazer um parêntese fundamental. Meu namorado na época, foi um príncipe! Montrealense lindo que ele é, cuidou de mim com todo amor e devo, aqui, reverenciá-lo. Disse para ele “Mon amour, começamos nossa relação eu na pobreza e na doença! Que beleza!”. Hahahaha Vamos rir pra não chorar! Ele me ajudou financeiramente, cuidou de mim, arrumou a casa, fez compras, me acompanhou no hospital e tudo mais o que eu precisei. Não sei como teria feito sem ele, que foi simplesmente perfeito e um companheiro cheio de amor. Merci infiniment ange!

Enquanto sofria os assédios morais da empresa e tentava lidar com o máximo de sabedoria possível, fiz o pedido de admissão para o mestrado em Estudos Internacionais na Université de Montréal (UdeM), mestrado que mudaria a minha vida. Eu estava de saco cheio de tantas lutas. Não há outra expressão para definir. 2010 e 2011 tinham sido um deserto para mim, plantando incansavelmente e matando um leão por dia. Disse para meu namorado “Amo muito você, mas se eu não for admitida nesse mestrado, faço minhas malas e volto para o Brasil. Meu país tem muitos problemas, mas é meu! Cansei de tantas lutas!”.

As seis semanas passam e volto ao trabalho em março de 2012, ainda com bota, muletas, mas já podendo andar. E você acha que acabou? Que nada! O pior ainda estava por vir! Meu chefinho lindo me dava indiretas todos os dias na frente dos colegas e, visivelmente, me perseguia. Muitos comentavam e eu, mais uma vez, tinha que encontrar forças e sabedoria em Deus, pois em mim estavam esgotadas. Tinha semana que eu chegava em casa chorando todos os dias e orava no chuveiro dizendo “Deus, eu escolho amar o inimigo! Eu escolho amar o inimigo!”. Na época, a canção Stronger, da Kelly Clarkson tocava muito na rádio e eu, dentro de mim, a cantava a plenos pulmões! Minha vontade era mandar o Mike se ferrar, dizer várias verdades na cara dele, mas eu sabia que essa não seria uma abordagem construtivista. Veja bem, eu conto essa história sem nenhum vitimismo, mas sei que há pessoas sofrendo assédio nas empresas e esse tema deve ser tratado! Quero compartilhar com você minha história para tentar te ajudar!

ESCOLHA O BEM APESAR DAS CIRCUNSTÂNCIAS

Apesar do assédio moral, eu segui fazendo meu trabalho com excelência e não fiquei falando mal do Mike nem da empresa para meus colegas. Eu tinha um confidente, meu superior direto e grande amigo Davi que, hoje, é como um irmão para mim em Montreal. Segui sendo profissional e tratando o Mike com todo respeito. Assim como eu fazia com o Tony, meu chefe no meu primeiro emprego, eu também deixava chocolate com recadinho na mesa do Mike. A reação dele? Ficava mais branco do que já era! Hahaha Não entendia nada! Adooooro. Confunda quem te persegue com amor!!!

Abril 2012. Chego em casa do trabalho, com minha bota ortopédica, minhas muletas, meu namorado maravilhoso e, como todos os dias, abro a caixa do correio ansiosa para encontrar a carta com a resposta da admissão da UdeM. Abri a carta com o coração na boca, sabendo que ali traçaria meu destino. ADMITIDA!!! Gritei, chorei, beijei meu namorado e agradeci à Deus com toda a minha alma!

A admissão me deu força: por mais que eu sofresse assédio, eu sabia que aqueles dias estavam contados e, portanto, me concentrei em aprender tudo o que eu podia. Atingi todas as metas, em cada reunião me destacava com minha preparação, era só sorrisos no escritório, tratava a pressão com leveza, organizei um evento beneficente com a equipe e, assim, fui desarmando o Mike. Aprendi tanto com ele! Como este homem foi fundamental para meu crescimento pessoal e profissional. Como amadureci graças à ele! Ele não sabia, mas estava me ajudando a chegar onde estou hoje.

A VERDADE LIBERTA

A verdade liberta!

Photo by Marco Diniz

Maio 2012. Eu precisava faltar o trabalho uma sexta-feira para participar de uma reunião sobre o mestrado na UdeM e fiquei pensando em uma desculpa para dar. Eu não queria contar a verdade por medo, mas também não queria mentir. “Meu Deus, o que eu faço?” Fui então que me veio muito forte uma voz interior. Sabe aquela voz que fala dentro da gente? Chame como você quiser, eu chamo de Deus. E a voz disse “A verdade liberta! A verdade liberta!”. Meu coração disparou, fui até a sala do Mike e pedi para conversar com ele.

“Mike, preciso te dar duas notícias. Uma é maravilhosa e uma ruim. A maravilhosa é que eu fui admitida no mestrado dos meus sonhos e a ruim é que terei que sair da empesa em julho. Mas antes que você fale, eu gostaria de te dizer algumas coisas. Eu quero agradecer por tudo o que eu aprendi com a empresa e com você. Você me ensinou mais do que pode imaginar (ele nem imagina que foi com ele que eu aprendi a amar quem me persegue!). Quero que saiba que sou imensamente grata pelos meses que passei aqui e que você pode contar comigo para o que precisar.”

Eu esperava uma reação intempestiva. Achei que ele fosse bater na mesa e dizer “Arrume suas coisas e saia imediatamente.” Para minha surpresa ele se levantou, me deu um abraço carinhoso e disse “Lina, eu também quero te dizer algumas coisas. Primeiro que eu nunca conheci ninguém como você, segundo que eu te devo desculpas e, terceiro, que você vai longe. Eu sei que eu peguei pesado com você e o que me admira é que eu sei que você não ficou falando mal de mim e nem da empresa para a equipe. Confesso que investiguei… Além disso, diante de tudo o que você estava passando, continuou trabalhando com excelência. Seus números só foram crescendo! Até chocolate você colocava na minha mesa! Você me confundiu com sua doçura e, hoje, confesso que me rendo. Me desculpe por tudo Lina. Eu também aprendi muito com você e devo dizer que nunca vi ninguém com sua inteligência emocional. Você vai chegar até à ONU! E quando visitar as organizações internacionais mundo afora, me mande notícias”.

Nos abraçamos, nos emocionamos e eu disse “Mike, agradeço a profecia da ONU, mas não sei se chego lá não…. Mas se acontecer, te aviso!”

Tenho que mandar uma mensagem pra ele contando que fundei a Mission Abroad, organização através da qual promovemos tours acadêmicos na Europa e na América do Norte para visitar as principais organizações internacionais do mundo. E mais! Fomos convidados para participar do ECOSOC Youth Forum, com jovens líderes de diferentes nacionalidades, na sede da ONU em Nova York! O Mike estava certo!

Julho 2012. O Mike organizou uma festinha de despedida, me honrou na frente de todos da equipe e me edificou com palavras e projeções para minha carreira que eu mesma não acreditava. Saí cheia de alegria e gratidão para iniciar o mestrado na UdeM.

E o que eu aprendi nisso tudo?

  • O que não mata fortalece;
  • Mais vale confundir os que te perseguem com amor do que retrucar com a mesma ignorância;
  • Amar o inimigo não quer dizer ficar parado suportando o mal e ter um “amor” do tipo “Fulano me persegue, mas tudo bem! Vou ficar aqui sofrendo o dano… Vou ficar aqui me ferrando”. Não, isso é ser trouxa! Amar o inimigo quer dizer não desejar o mal a quem te persegue, tentar fazer a diferença para que essa pessoa se enxergue e mude seu comportamento e, não querendo mudar, se afastar definitivamente. Sempre temos que dar uma chance para a pessoa mudar, no entanto, se ela escolher o mal deliberadamente, então deixe que ela seja o seu próprio juízo!;
  • Não fique falando mal da empresa nem do seu chefe no ambiente de trabalho. Esse tipo de atitude é contra-produtivo;
  • Se estiver sofrendo assédio moral, procure ajuda. Eu escolhi resolver de forma independente, mas se o seu caso for mais grave, procure ajuda jurídica;
  • Independente das circunstâncias, sempre faça seu melhor. Seja excelente não pelos outros, mas por você! Seja leal à você mesmo;
  • Se atravessar a rua com gelo, muito cuidado para não quebrar o tornozelo;
  • Se quebrar o tornozelo e estiver em Montreal, peça para seu namorado te levar no Juliette et Chocolat e comer fondue de chocolate, crepe de chocolate, com chocolate branco, chocolate ao leite, chocolate meio amargo, calda de chocolate, pedaços de chocolate, chocolate quente e chocolate com mais chocolate. Como isso me acalmava! ;-p
  • Agradeça todas as pessoas que fizeram a diferença na sua vida. É importante que elas saibam que tiveram um papel importante no seu crescimento;
  • Quem me perseguiu acreditou mais em mim do que eu mesma e fez projeções para minha carreira que eu mesma achava impossível e que, hoje, são realidade na minha vida.

Se você leu esse looooongo artigo até o final, parabéns! Isso significa que você tem sede de conhecimento e essa sede é preciosa para que você atinja sua realização pessoal e profissional.

Bisous dans le coeur et à la prochaine! Beijos no coração e até a próxima! #vemserfeliznocanadá

Lina Donnard é brasileira, de Belo Horizonte, imigrante e mora em Montreal desde 2009. É consultora em educação no Canadá e coach profissional para integração ao mercado de trabalho.