Quando pensei em escrever esse artigo, imediatamente me veio à mente a canção “We are free now”, tema do filme Gladiador. Essa canção é maravilhosa e nos remete à outra dimensão! Tem um motivo para eu a ter escolhido e você vai entender no final do texto. Clique aqui para escutar enquanto você lê mais um pouquinho sobre a minha história no Canadá.

Meu primeiro emprego no Canadá

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Antes de contar como foi o meu primeiro emprego em Montreal, no Canadá, tenho que contar como ele chegou até mim. Assim como a minha primeira experiência profissional (leia o artigo), meu primeiro emprego tem, em seu início, uma história divertida. Meu último emprego no Brasil, antes de imigrar, foi em uma empresa de mineração exportadora de pedras naturais. Em fevereiro de 2009, eu fui trabalhar em uma feira de pedras em Vitória, Espírito Santo. Estava eu no stand da empresa quando dois homens entram pedindo informações sobre os nossos produtos. Começamos a conversar, em inglês, e eles me deram seus cartões de visita. Quando olho o cartão, a empresa era em Montreal! Mantive a discrição e pensei “Tenho que fazer a melhor apresentação e negociação da minha vida agora!”.

Em meio às amostras de pedras, tabelas de preços e informações sobre prazos de produção, os dois começam a fazer comentários entre si em italiano, pensando que eu não estava entendendo nada. O que eles não sabiam é que eu falo italiano e estava entendendo tudo! Ao final, perguntei “Vocês são canadenses de origem italiana, não são?”. E eles respondem “Sim Lina, somos!”. E eu não resisti e disse “Allora parliamo in italiano dai! (Então vamos falar em italiano!)”. Gente… os dois ficaram brancos pois, supostamente, não era para eu entender nada do que eles disseram. Em meio às risadas constrangedoras, eu disse “Não se preocupem. Eu concordo com tudo o que vocês disseram à meu respeito e também com relação à ver o preço da concorrência. Meu produto e meu serviço são os melhores e tenho certeza de que vocês vão fechar negócio comigo. Aliás, eu estou fazendo o processo de imigração e vou morar em Montreal no final do ano.”

Quando eu disse isso, eles me perguntaram se eu falava francês e se já tinha emprego em Montreal. Eu disse que falava o idioma mas que nem tinha começado à olhar nada de emprego. E o diretor disse “Lina, então agora você tem emprego. Quer vir trabalhar conosco?” Eu quase tendo um filho colorido sem acreditar no que estava ouvindo, respondi “É claro que eu quero!”. E dentro de mim eu só dizia “Obrigada Deus! Obrigada Deus!”. Para resumir a história, cheguei em Montreal em novembro de 2009, fiz o processo seletivo para trabalhar no comercial do show room de corte especial de pedras naturais dessa empresa e comecei a trabalhar com eles em março de 2010.

Na entrevista, durante o processo seletivo, já senti o drama. A Itália faz parte da minha história e conheço bem a cultura e, posso dizer, é muita passione! Trabalhar com italianos não é fácil: ódio e amor andam lado à lado. Meu superior direto tinha uma cara de siciliano mafioso que gente…. eu tremia só de olhar pra ele. Sabe aqueles com cara fechada, cabelo preto com gel para atrás e aquela barba que mesmo quando feita fica meio azulada? Pois é, esse era meu chefe, ou melhor, il mio capo. Pensei “Meu Deus…..Saí de uma superior direta que era a delicadeza em pessoa, uma grande amiga, para um com cara de mafioso siciliano que nem me dá bom dia? Será que eu estava doida quando eu imigrei?”. Sem contar as outras lutas que eu já tinha passado logo quando cheguei (leia no blog).

Meu primeiro emprego no Canadá, Lina Donnard, CIOTEu trabalhava diretamente com arquitetos, designers e mestres de obra. Eu tinha que calcular projetos e moldes, tudo em sistema imperial, para mandar fazer o corte especial. Gente, vocês não estão entendendo! Eu sou loira para matemática! Calcular projetos em sistema imperial, ou seja, pé, polegada, uma fita métrica com medidas fracionadas e um chefe com cara de mafioso te olhando para ver se você faz certo? Ninguém merece! (Ai que ódio de quem inventou esse sistema imperial! Se eu encontro eu dou na cara! Hahahaha). E você acha que acabou? Meu bem, isso é só o início. Eu tinha que pensar em cinco idiomas! Apesar de não ser um emprego em Relações Internacionais, foi o que eu mais falei todos os idiomas que eu sei. Com meu chefe em inglês, clientes em francês, colegas em italiano, recepcionista em português e operários das máquinas em espanhol. Quase fico doida.

Minha carga horaria era de 7:30 até 17:30. Os dias eram loooooongos. Me pergunta se eu chorava? Ia pegar o ônibus de manhã com aquele frio e um vento que você fala assim “O mundo está acabando e não me avisaram gente?”. No ônibus eu colocava óculos escuros e, enquanto orava à Deus para me dar forças, eu chorava. No trabalho, por várias vezes, fui ao banheiro, ajoelhei, juntei as mãozinhas e disse “Deus, derrama sobre mim a Tua graça”. Era só isso que eu dizia enquanto, mesmo sem poder, as lágrimas escorriam no meu rosto.

Parece bobagem, mas eu estava exausta e fragilizada. Eu morava sozinha e, no início, me sentia muito só no trabalho. Chegar em casa e não ter ninguém para abraçar era duro. Eu chorava no Skype com minha família e amigos. Sentia uma falta tremenda de abraços. Senti o maior cansaço da minha vida até hoje. Tudo era tão diferente, tão estranho, tão “não automático” que eu gastava uma energia tremenda. Chegava em casa e minha rotina era: chorar, comer algo rápido, tomar banho, falar com minha família, chorar e dormir. Me lembro que logo na primeira semana eu fiquei doente de exaustão e dormi um fim de semana inteiro, acordando apenas para fazer coisas básicas.

Na empresa, no setor comercial, eu me sentia um ET. A única imigrante, muito diferente com meu jeito brasileiro e caloroso de ser. No princípio, fiquei com medo de mostrar muito minha personalidade, para evitar choques culturais, mas fui entendendo que, na verdade, esse era o meu grande diferencial. Aí estava o meu poder! Aos poucos, fui fazendo uma brincadeira aqui, sendo carinhosa ali, dando um sorriso para um operário latino que não esperava um sorriso meu e conversando com pessoas que eu sabia que precisavam desabafar. Em suma, fui humanizando e aprendendo a amar aquele lugar apesar de, definitivamente, não ser o meu emprego dos sonhos. E foi justamente com a minha personalidade que, aos poucos, fui conquistando meu espaço e o meu chefe mafioso.

No primeiro mês ele me chama em sua sala e começa a me perguntar se eu estava gostando do trabalho, se era o que eu esperava, quais eram minhas dificuldades, etc… Enquanto ele falava eu ia acenando com a cabeça para mostrar atenção e, como no costume brasileiro, ia dizendo “hum hum… hum hum”. E, então, ele me diz impaciente “Lina, você não vai dizer nada? Só vai ficar dizendo “hum hum”? E eu, com toda elegância e firmeza de alma disse “Tony, duas pessoas não podem falar ao mesmo tempo. Isso é regra básica da etiqueta. Quando você terminar de falar eu falo!”. À partir daquele momento ele começou à me respeitar e iniciamos uma relação profissional e uma amizade que me marcaram.

Ele tinha muita pressão sobre si e também era perseguido. Conversando, descobri que sua história de vida não era fácil e que ele precisava de cura em sua alma. Quando eu sabia que o “bicho estava pegando” eu deixava um chocolate na mesa dele com um recadinho “Tony, fica firme! Deus é contigo e eu também! Estou aqui!”. E aquele homem com cara de mafioso que não dava nada por mim, foi quebrantando o coração. Lindo de ver! Pois é, ele mesmo me disse que não queria me contratar pois achava que, com essa cara de menina frágil, eu não ia dar conta daquele trabalho bruto. Também achava que eu era mais superficial, até que se surpreendeu quando tivemos uma conversa sobre política internacional e teorias da conspiração. Eu sabia isso tudo desde o início e, assim como eu, ele aprendeu que não se deve julgar pelas aparências. Se tornou como um pai para mim e me tratava como filha, me ensinando à ser menos delicada naquele meio e não deixar ninguém me intimidar. Nem colegas e nem clientes.

 

Meu primeiro emprego no Canadá, Lina Donnard

No meu bureau e olha quem está lá atrás! O gerente que mencionei! Nem acreditei quando encontrei essa foto. E eu só estou mostrando porque não mencionei o nome dele e não dá para identificar o rosto na foto. Só por isso!

Gente, são tantas as lembranças que fica difícil escolher os fatos para narrar aqui! Me lembro que um dia fui perguntar para o gerente de produção se ele poderia autorizar um prazo mais rápido para um cliente. O gerente me respondeu nervoso, dizendo que eu já sabia que não era possível, que eu nem deveria ter ido consulta-lo, e bla bla bla…. Atrás dele estava o Tony me olhando sem o gerente saber, e eu respondi bem firme; o que não era da minha personalidade e eu estava aprendendo com o Tony “Fulano, eu estou apenas fazendo uma pergunta! Você não precisa me responder assim. Diga apenas que sim ou que não. Não estou aqui para te pressionar, mas para ajudar!” NUNCA, JAMAIS vou me esquecer do Tony atrás do gerente fazendo sinal de positivo com o polegar, sorrindo e dizendo apenas com leitura labial “Great Lina!”. O Tony foi um coach para mim. Aprendi a ser mais durona com ele e a não deixar as pessoas me intimidarem independente de suas posições, suas críticas e vozes altas. E olha, nesse emprego, sempre tinha algum cliente ou colega nervoso falando alto…

E tinha, também, clientes e colegas maravilhosos, carinhosos e divertidos. Eu adoro falar uma bobagem e, convenhamos, quem não gosta de rir gente? Como eu deixava as pessoas à vontade, aos poucos meu bureau virou ponto de encontro. Vários colegas que passavam em frente vinham bater um papo rápido e me dar um abraço. Sim, eu instaurei o abraço naquele lugar. Gente, não dava para passar o meu dia inteiro ali sem ter relações de afeto… Eu sou brasileira e precisava de mais afeto para encarar meus longos dias. Fui abraçando os meus colegas e a coisa, graças a Deus, viralizou!

Eu sei que o artigo está longo, já escrevi muito, mas ainda não terminei. Leia até o fim porque ainda tem conteúdo importante para você!

E a Betty, recepcionista quebequense de origem portuguesa? Como aprendi com essa mulher! Mais uma com uma história de vida que parecia mais um roteiro de filme. Infelizmente, não posso contar aqui, mas posso dizer que inspiraria um romance policial. Ela me fazia rir muito dizendo bobagens com sotaque de portuguesa e encontrando humor onde se deveria chorar… Nos divertíamos muito juntas e éramos confidentes uma da outra. Oh saudade dessa mulher! Não posso deixar de mencionar os operários das máquinas. Tinha latino hispano, italiano, português e quebequense. Sendo direta, eu almoçava com os peões e quer saber? Eu adorava! Eles me salvaram a vida! No princípio, eles não me davam muita bola porque pensavam que eu não ia querer dar bola para eles. Mais uma vez eu sofrendo o estereótipo de patricinha. Durante o almoço eu puxava conversa com eles, sobretudo os latinos, e fui mostrando que eu era uma deles e que me interessava conhecê-los. Aos poucos, fomos criando uma amizade muito bacana. Com eles eu falava todas as bobagens e fazia todas as brincadeiras que eu queria. Como eu ria no almoço! E na hora de passar pelas máquinas para ir mostrar os lajões de pedras para os clientes? Ia passando e dizendo “Hola Juan, que tal? Salut Pierre, ça va mon cher? John! What’s up man? E aí Mario? Beleza? Ciao Bruno! Tutto a posto?” E apesar de não ser o trabalho dos meus sonhos, vinha aquela certeza na alma “É aqui que eu quero estar! É isso que quero para minha vida! Essa diversidade cultural, essa riqueza de experiências e essas pessoas. Esse lugar me pertence! É esse choro que eu quero, são esses os desafios que eu escolho enfrentar e é essa a terra que eu quero conquistar!”.

Agora deixa eu explicar o por quê de eu ter escolhido a canção tema do filme Gladiador (aliás já deve estar na hora de você dar replay na música!). Quando eu tinha nove anos, meu pai me disse “Filha, se prepare, pois a vida adulta é como matar um leão por dia”. Eu nunca mais me esqueci dessa frase. Pois bem, na época do império romano, como mostrado no filme, os gladiadores eram lançados no Coliseu, em Roma, para enfrentar batalhas sangrentas e leões. Se você ainda não assistiu esse filme, assista! Os gladiadores tinham que, literalmente, matar leões para sobreviver. No meu primeiro emprego em Montreal, pela primeira vez, eu tive essa sensação: cada manhã que eu acordava eu sentia que eu tinha que matar um leão. Os primeiros três meses pensei em desistir várias vezes. Estava difícil demais matar um leão por dia. Na hora de acordar eu pensava “Deus, me dá forças para eu encarar o meu dia!”.

No princípio eu odiei aquele primeiro emprego mas, um dia após o outro, fui trabalhando meu coração, meu ego, abraçando as pessoas e aquele lugar. Meu coração foi ficando grato e cheio de alegria. Aprender é algo que me traz muita satisfação, e eu estava aprendendo intensamente! Aprendi a trocar de um idioma para o outro com muita facilidade, a fazer cálculos em sistema imperial, a lidar com clientes de diferentes nacionalidades, melhorei minhas técnicas em negociação, a não deixar ninguém me intimidar, a ser mais firme e, sobretudo, a ser eu mesma independente do abismo que as diferenças possam causar entre seres humanos.

No dia em que resolvi deixar a empresa, em fevereiro de 2011, fui conversar com o Tony com o coração contrito. Saí porque resolvi estudar para dois exames para tentar a admissão em um MBA (não passei, graças à Deus deu tudo errado e em breve contarei essa história). Mais uma vez o Tony foi maravilhoso e me disse “Lina, acho o seu projeto maravilhoso! Você deve sim correr atrás dos seus sonhos e crescer na sua carreira profissional. Só te peço três coisas: independente de onde você chegar, nunca se esqueça das suas origens, nunca coloque o dinheiro acima das pessoas e nunca deixe de passar tempo de qualidade com as pessoas que você ama em detrimento da sua carreira. Por favor, não cometa os mesmos erros que eu cometi no passado”.

Era come se fosse um anjo me advertindo com amor! Sábio Tony! Nos abraçamos emocionados e gratos pelos meses de convivência. Eu grata por aqueles dez meses matando um leão por dia e tendo ele como meu mentor. Ele grato pela doçura, pela sensibilidade e pela tenra maturidade de uma menina de 25 anos, imigrante e cheia de sonhos no coração.

E o que fica de aprendizado dessa experiência?

  • Seja confiante na hora de negociar: se você não acreditar no seu produto/serviço, o cliente também não vai acreditar;
  • A oportunidade só vai acontecer se você estiver preparado para vivencia-la;
  • Os brutos também amam;
  • Dureza de coração se vence com amor e generosidade;
  • Já disse e repito: não julgue pelas aparências. Que os estereótipos caiam por terra!;
  • Ao invés de retrucar, conquiste quem não gosta de você e mostre sua grandeza de alma;
  • Esteja aberto à críticas positivas, pois são as críticas que nos fazem crescer e não os elogios;
  • Aprenda com quem é muito diferente de você. O Tony, em muitos aspectos, era o meu oposto. Meu jeito delicado irritava ele e o jeito bruto e direto dele me incomodava profundamente, ou melhor, me intimidava. Fato é: eu precisava mais dele em mim e ele mais de mim nele. Esforce-se para conviver com pessoas diferentes de você! Isso te trará crescimento pessoal e profissional!;
  • Ouse! Deixe a timidez de lado e faça algo diferente para influenciar seu ambiente de trabalho positivamente. Tudo na vida começa através das relações que temos. Somos profissionais, empregados e chefes mas, antes de tudo, somos seres humanos e precisamos todos de afeto. Eu acredito sim que podemos ser excelentes profissionais, muito competentes e eficientes sem deixar o calor humano de lado. Abrace, em todos os sentidos, o lugar e as pessoas com as quais você trabalha;
  • Seja livre para ser quem você é.

Mate o leão com abraços! À la prochaine!

#vemserfelizemmontreal #revejaosseusconceitos

Lina Donnard é brasileira, de Belo Horizonte, imigrante e mora em Montreal desde 2009. É consultora em educação no Canadá e coach profissional para integração ao mercado de trabalho.